sábado, 17 de novembro de 2012

Resenha Critica: A Igreja Latino-Americana no Contexto Mundial.





DREHER, Martin N. A Igreja Latino-Americana no Contexto Mundial. Coleção História da Igreja - Vol.4. Editora Sinodal. 244 p. 



Martin Norberto Dreher (Montenegro, 1945) é um pastor luterano, professor e historiador brasileiro. Cursou teologia na Faculdade de Teologia da IECLB, formando-se em 1970. Depois doutorou-se em história da igreja, pela Ludwig-Maximilians Universtät, em Munique, 1975. Foi professor de teologia e pastor em diversas paróquias da IECLB. É professor de História da UNISINOS, tem diveras obras vinculadas à história da Reforma do século XVI, da igreja na América Latina, história da colonização e imigração na América Latina, principalmente germânica.

Na Coleção da História da Igreja aborda não apenas os episódios, mas as causas e motivos dos acontecimentos levando a compreensão da história de nossas raízes. O volume Quatro, A Igreja Latino-Americana no Contexto Mundial, ele abrange os últimos 500 anos, sendo um auxílio para a compreensão da História da Igreja na América Latina. O autor mostra que aqui se gerou um cristianismo distinto daquele que podemos encontrar na Europa, na África ou na Ásia. 

De inicio ele constata que se a história da Igreja for escrita na América-Latina como história da denominação dominante, é esquecido que a história do catolicismo na América-Latina é assim como é,  em razão da exclusão violenta dos dissidentes religiosos: o catolicismo latino-americano não foi dado ao dialogo e só pode ser compreendido em relação ao protestantismo já que em boa medida é uma reação a este. Para ele houve muitas formas de pensamento cristão na América-Latina, muitas formas de espiritualidade. Cada uma expressava, em sua época, maneiras de viver a fé. 

Ele ressalta que a igreja enquanto instituição e em virtude de sua universalidade tem sua dinâmica própria e que não podemos estudar a sua história sem considerar a sociedade e não podemos estudar a sociedade da América Latina sem estudar a Igreja.E afirma que a história da Igreja Latino-Americana começa com a chegada de espanhóis e de portugueses ao continente e com o transplante do cristianismo, com todas as suas contradições. Com os imigrantes vindo da Europa após a invasão napoleônica e com a realização de um concilio ecumênico em 1959 por João XXIII. 

Para ele o cristianismo brotou do judaísmo tendo raízes nas tradições judaicas, dentro de um contexto de multiplicidade religiosa. E a medida que foi penetrando no Império Romano ele foi diferenciando se e adaptando-se do mudo religioso ao seu meio tais como o gnosticismo, sincretismo, estoicismo, tradução, xamanismo.Quando chegou a América o cristianismo não tinha abertura pra dialogar coma religião diferente e as razões disso devem ser procuradas nos acontecimentos que se desenrolaram na Europa, especialmente na Península Ibérica. 

O catolicismo popular, segundo Dreher, foi se formando a partir da falta crônica de sacerdotes, acrescida da concentração dos mesmos nas cidades e vilas, nas missões indígenas ou nas capelas de latifúndios, propiciou aqui no Brasil a reunião dos leigos em irmandades , nas quais surgiu um cristianismo devocional que não se carecia de sacerdote, Nelas se adquiriam prestigio e reconhecimento, auxilio em tempos de dor, sepultamento. Construídas segundo critérios étnicos, e sociais o ponto alto dessas irmandades eram as festas e procissões, acrescidos das tradições indígenas e africanas. A religião não estava submetida ao controle clerical, era o santo quem protegia os crentes.Mais no século XIX a restauração católica não teve abertura pra este tipo de religiosidade e é ai que o povo se volta ao pentecostalismo. 

Os conquistadores europeus encontraram duas culturas superiores na América Latina. No México e na América Central, havia a cultura maia-asteca e no Peru a cultura inca, fora às culturas de características mais secundárias que também não deixam de ter sua importância. Mais estas culturas não foram respeitadas e ser cristão na América Latina, significava, renunciar a liberdade individual, a liberdade de consciência, a liberdade política e a liberdade coletiva. Tornar-se cristão significava negar as raízes culturais, perder a língua, as tradições, o sistema de vida, os laços sociais que definiam a identidade da coletividade. O batismo, sacramento da liberdade em Cristo, tornou-se instrumento de servidão. Não menos deprimente, foi o resultado do confronto da teologia do missionário com a teologia indígena, que deveria se submeter a religião do missionário a partir da premissa do pecado e do castigo. Dreher ainda ressalta que depois da destruição do macho, começou-se o repovoamento no útero da mulher, primeiramente a indígena e mais tarde a negra. 

Segundo o autor, não houve uma missão a rigor na América Latina, mas sim uma expansão de Estados e com ela a expansão religiosa. A missão acompanhou ciclos de expansão e ciclos econômicos, os missionários sempre acompanhavam os conquistadores ou governadores, como o caso dos primeiros jesuítas no Brasil que chegaram com Tomé de Souza. Na América Latina, os jesuítas encontraram uma situação completamente distinta da qual eles enfrentavam na Europa, tinham como objetivo converter o indígena ao cristianismo e para isso tiveram que se adaptar ao novo mundo e uma nova visão deste, e para converter os indígenas criam que deveriam implantar neles uma nova cultura, os domesticando antes de sua cristianização. 

Para Dreher a miséria dos negros esta intimamente ligada á miséria e a tragédia dos povos indígenas brasileiros. Sendo que o Brasil conseguiu suplantar todos na escravização dos indígenas, mas mesmo assim a escravidão africana ainda foi bem maior. Sem a escravidão não seria possível a exploração rentável da colônia, ela era a única base da riqueza colonial. Os negros tiveram uma evangelização a força e orientação para saberem como se comportar durante a missa recebiam o batismo mais não tinham acesso aos outros sacramentos, sobrando pra eles a esperança o reino dos “céus”. Cristianizados com o uso da violência e sem catequese , eles se tornavam oficialmente católicos ou protestantes e tinham sua cultura suplantada e miscigenada nestas tradições. 

O Confessionalismo, conforme Dreher relata, facilitou e promoveu a secularização, Tornando-se a igreja particular em Estados particulares, as demoninações facilitaram a crescente influencia do estado sobre as áreas que antes eram de jurisdição da igreja: casamento, família, educação, auxilio aos pobres e bem-estar social. Os âmbitos de atuação da igreja diminuíam e os seculares aumentavam, o Estado achava-se no direito de controlar a vida moral e espiritual dos seus súditos, formando uma sociedade uniforme de sujeitos e tudo isso com a legitimação divina, através da igreja. Já o Puritanismo, penetrou na América latina no século XIX, sendo importante conhecer a essência do seu pensamento pois suas idéias que chegaram com os missionários congregacionais e batistas continuam presentes até hoje com os pentecostais. 

O Pietismo acentuou a necessidade de renovação do individuo e com isso as propostas de reforma social jamais passaram de obras de caridade individuais. Lutando contra o que designava de deturpação do verdadeiro cristianismo, o Pietismo foi um dos maiores preparadores da Modernidade. A Ilustração deu eco a muito dos pensamentos pietistas, tais como: orientação para o futuro, cristianismo não-dogmático, centralidade da experiência, humana, leitura da Bíblia. 

Dreher retrata a importância da Revolução Francesa e Revolução Industrial no século XIX, pois formularam grandes questões quanto a importância da igreja para a sociedade e para a cultura. A Revolução francesa não permitiu mais fossem erradicados que o conceito e o sentimento da soberania das massas, da democracia. Os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade espalharam-se por toda Europa e também se transferiram para as Américas. 

O autor coloca Schleiermacher como uma figura teológica dominante do século XIX, momento em que teve presentes variantes da Ortodoxia, do Pietismo e da Ilustração. Schleiermacher levou a serio as criticas que a ilustração dirigiu a religião de um modo geral e ao cristianismo em particular, para ele, a fé deixa de viver quando busca se proteger na defensiva e no isolamento. Assim como seus contemporâneos, também partiu da experiência empírica, mas ao invés de falar de liberdade falou da dependência humana.Outro movimento de grande significado foi o Reavivamento, de caráter transconfessional, sendo pluriforme e multifacetado ele teve alguns aspectos comuns, que são: oposição a ilustração e a religião da razão, a pecaminosidade do ser humano diante de Deus, o despertar para uma nova vida pela graça de Cristo somente, a experiencial pessoal de um novo nascimento, crescente atividade social e esforços missionários para a expansão da fé cristã. Culminando na apropriação da Bíblia pelo povo cristão e a formação de associações livres para atividades comuns rompendo assim os muros denominacionais. 

Dreher ressalta também a importância da Teologia Protestante, Teologia liberal, Fundamentalismo, na construção do pensamento Latino Americano. E continua dizendo que, na América Latina, produziram-se a Filosofia e Teologia da Libertação, especialmente no século XX. Ambas surgiram dos anseios e do grito de liberdade no continente, tendo grande dificuldade de penetração por não haver gestado no âmago do continente o pensamento histórico-critico, o que por outro lado levou a que as teorias do conhecimento fossem transformadas em religião. 

Aonde a Igreja Católica foi rejeitada pelo Estado tendeu a voltar-se para si mesma, privatizando a fé, reduzindo-a a uma dimensão individualista e familiar. Centrou-se em atividades devocionais e educacionais. A igreja se aliou a elite que a considerava retrograda pensando assim conquista-la e acabou sendo usada como instrumento de controle social e após a descoberta deste fato a igreja procurou novos caminhos para o século XX.. A primeira assembléia do Conselho Mundial de Igrejas aconteceu em Amsterdã, em 1948, aonde se refletiam as atividades missionárias do final do século XIX e os reavivamentos religiosos ocorridos da Europa e na América do Norte. Na história do século XX o ecumenismo tem um papel de destaque assim como o cristianismo carismático pentecostal que perpassa todas as demoninações no final do século. 

Afirma Dreher que na Europa e nos estados Unidos, o movimento pentecostal esta a caminho de se transformar em igreja evangelical de classe media. Muitos elementos, ainda hoje presentes na América Latina e na África, desapareceram. A teologia passa a ser mais e mais conceitual. Há teologia evangelical tradicional, acrescida do batismo no Espírito Santo. No entanto a glossolalia não é considerada um elemento essencial desse batismo. Para ele, o fato de que o pentecostalismo surgiu em uma igreja negra de periferia assumindo a tradição cultural da cultura negra, preparou o caminho do reavivamento. Os paises onde o pentecostalismo mais se difundiu tem uma tradição orla mais forte que a literal, possibilitando a democratização da linguagem, eliminando privilégios da sistemática conceitual abstrata e racional. Rompendo assim coma ditadura de determinado tipo de linguagem, considerado ortodoxo ou cientifico. Rompe-se o “sacerdócio universal dos crentes”, fixado no papel para se tornar realidade na oralidade. A grande discussão do século XX será a relação entre a oralidade e a escrita, a lógica do instinto e a lógica da razão, entre o negro e o branco. 

Ele vê o sincretismo de catolicismo liberal, maçonaria e liberalismo missionário como a base do protestantismo Latino Americano. Que se Estruturou de acordo com as diversas tradições protestantes, sem num entanto deixar de buscar uma unidade. Por volta de 1910, o pentecostalismo penetrou no protestantismo que até então tinha tendências unitárias e liberais. A maioria das igrejas históricas e parte do catolicismo se pentecostalizaram em sua pratica religiosa. De um modo geral, instalou-se na América Latina o que convencionou chamar de “cultura religiosa do desvio”: pode-se ser pentecostal, católico, e depois frequentar um terreiro de umbanda ou centro espírita. 

Assim, a situação religiosa da América Latina não deve ser entendida como ruptura, mais como uma continuidade do seu universo cultural.Devemos também considerar imigrantes que aqui se instalaram também alteraram profundamente o rosto da religião no Brasil. O século XIX traz, pela primeira vez, permanentemente, luteranos, anglicanos, batistas, presbiterianos, muçulmanos  budistas. Traz também dissidentes sociais e político: carbonários, liberais, socialistas, anarquistas. Essas características religiosas daqui também não só desorientou os migrantes como os clérigos que os acompanhavam. Diante da diversidade de tipos de protestantismo e diante da dificuldade percebemos que não há identidade teológica no protestantismo, ele é por demais heterogêneo, assumindo varias identidades relacionadas ao momento histórico-social do Brasil de cada época. 

 Com uma abordagem bem detalhada sobre os principais aspectos constituintes da história da Igreja na America Latina essa obra de Dreher é um livro indicado a historiadores,  teólogos e demais interessados na história da igreja.

Para ler o livro no google: veja aqui




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